Aos irmãos e irmãs no Deus que a todos ama,
Aos sacerdotes, diáconos e consagrados,
Aos irmãos bispos auxiliares,
que tanto auxiliam na minha missão na Arquidiocese do Rio de Janeiro
1. O amor de Deus é fonte de alegria, união e paz! O amor a Deus é fonte de serviço, reconciliação e fraternidade!
2. É com esta certeza que me dirijo a cada irmão e irmã cujas vidas, de algum modo, estão ligadas ao Rio de Janeiro, cidade que me adotou e cidade que eu acolhi como grande presente de Deus em minha vida. Não distingo ninguém. Dirijo-me aos que aqui residem, aos que passam por esta cidade buscando levar adiante a aventura da vida, aos que aqui se alegram e aos que, no chão desta cidade maravilhosa, deixam também um pouco de suas lágrimas. Somos todos irmãos.
3. Cheguei ao Rio de Janeiro em 2009. Ao chegar, manifestei o desejo de que os cariocas tomassem posse de mim e, nestes cinco anos, foi isso que a graça de Deus permitiu acontecer. Em visitas, encontros, celebrações e mesmo na rapidez de uma simples saudação, venho aprendendo a descobrir o mistério de Deus tão presente entre nós. Por isso, agradeço pela acolhida, a compreensão, o carinho, o sorriso, o suor enxugado, as portas sempre abertas e as orações. O que eu seria sem tudo isso?
4. Em cada gesto destes, vejo a presença de Deus. Sou um homem de Deus, sou um homem para Deus, sou um homem com Deus. Não sei viver diferente. Nunca soube! Rezo e peço suas orações para que incessantemente eu continue a amadurecer em mim esta certeza e, enquanto Deus assim quiser, possamos, nós todos, caminhar juntos, unidos, rumo Àquele que nos amou primeiro (1 Jo 4,19).
Um tempo de profundas transformações
5. Em nossos dias, tudo se transforma rapidamente. Sentimos na pele a velocidade que carimba tudo como ultrapassado. Por certo, o avanço tecnológico nos conduz à substituição de objetos por outros mais atualizados. Bendigo a Deus por estes avanços e pelos benefícios que eles trazem, especialmente na superação das mazelas humanas. Preocupo-me, no entanto, com a mentalidade de que também pessoas e convicções sejam levadas na mesma avalanche do descartável. Somos todos filhos e filhas do mesmo Pai, que a todos ama indistintamente, sem descartar quem quer que seja, em especial os mais fracos, os mais frágeis.
6. Reconhecer estas transformações e seus efeitos não é, como talvez alguém chegue a pensar, saudosismo, desejo de voltar a um tempo que já se foi. Ao contrário, precisamos assumir nosso tempo, com seus desafios, pois o nosso tempo é o tempo em que Deus nos colocou. O nosso tempo é, portanto, hoje! É no aqui e agora de nossas existências que somos chamados a discernir o que devemos fazer para que as descobertas das ciências e todos os demais avanços não conduzam à desumanização, ao enfraquecimento da fraternidade e da solidariedade e ao distanciamento da dor alheia. Precisamos envolver esta realidade tão desafiadora com o coração do Evangelho: o amor, a fraternidade, a solidariedade, a concórdia e a caridade.
7. Estas serão sempre as respostas cristãs em qualquer tempo e, consequentemente, também nossas respostas hoje. Diante da violência, corremos o risco de buscar soluções violentas. Diante do descartável, corremos o risco de considerar ultrapassados os compromissos definitivos, os valores que permanecem ou os sonhos duradouros. São tantas as transformações que sobre nós desaba o risco de já nem discernirmos com a necessária clareza entre o que realmente deve permanecer e o que pode ser deixado de lado.
8. A resposta é simples e nós a conhecemos: permanecem o amor a Deus e o amor ao próximo. Qualquer outra resposta que se feche a isso não pode ser aceita por ferir a dimensão mais profunda de todo ser humano, de cada ser humano. Este é o critério de discernimento para todos os cristãos. É igualmente o que os cristãos oferecem a este tempo que já não se sente confortável diante de critérios às vezes seculares, mas que ainda não sabe exatamente por quais caminhos seguir. O mundo de hoje é profundamente plural. Nem por isso, os cristãos deixarão de ser cristãos, relativizando os valores evangélicos. Ao contrário,os cristãos haverão de se empenhar para que, através do testemunho e do diálogo, manifestem a grandeza do amor a Deus e ao próximo como condições de paz e felicidade.
O amor a Deus
9. O amor a Deus – não me cansarei de repetir – é condição de paz e felicidade. A ele todos são convidados. Quem já o descobriu e acolheu é chamado a transmiti-lo por gestos e palavras. Não se trata, bem sabemos, de imposição, pois não se responde ao amor a não ser pelo livre acolhimento, um acolhimento que, por sua vez, só tem efetivo valor quando se deixa transformar e, na conversão, transborda para os demais, exalando o suave perfume de Deus agindo nos corações (cf. Os 14.6, Ef 5,2).
10. Deus não é o Deus do medo, da guerra, da violência, da vingança nem da ganância. Quem contempla Jesus Cristo só descobre em seus atos e suas palavras esta firme certeza: Deus é Amor e, por isso, amemo-nos uns aos outros (cf 1 Jo 4,16). Nesta dinâmica do amor, os cristãos não desejam privilégios. Não buscam ser melhores ou estar à frente de irmãos e irmãs que seguem outros credos ou não professam credo algum. Os cristãos, alicerçados no Evangelho, buscam um mundo onde haja espaço para todos, onde todos possam incessantemente dialogar. Os cristãos desejam um mundo onde o nome de Deus esteja ligado ao amor ao próximo, onde este amor ao próximo leve pessoas e grupos a respeitar a liberdade de crença e a busca do bem comum. Tristes foram todos os momentos da história humana em que o respeito às pessoas não foi considerado. Se lamentamos períodos de intolerância, é porque queremos dizer que nosso tempo não pode ser marcado por essa atitude que nos afasta de Deus e quebra a fraternidade.
11. Ao repetir que Deus é Amor, quero fazê-lo em atitude de convite. Convido os católicos do Rio de Janeiro a seguirem Jesus Cristo como o fez, por exemplo, S. Sebastião, padroeiro de nossa cidade e de nossa arquidiocese. De sua vida, sabemos que, mesmo após as flechas da maldade terem desejado conduzir-lhe à morte, S. Sebastião permaneceu firme na fé, anunciando o amor de Deus e o convite a experimentar este amor. Assim devemos ser todos nós, nesta cidade, onde Deus nos colocou: firmes diante das dificuldades e contínuos manifestadores do amor de Deus.
12. Convido os que buscam a paz, a felicidade e um sentido para a existência a encontrar tudo isso em Jesus Cristo, aquele que passou por esta vida fazendo o bem (cf At 10,38), aquele que, morto, ressuscitou, manifestando a vitória definitiva da vida. Estou consciente de que o caminho para Jesus Cristo passa indispensavelmente pelos que já O encontraram e O seguem. Sei também que nem sempre somos os melhores apresentadores do Senhor Jesus. Afinal, somos limitados e, também nós, por termos encontrado o Senhor, permanecemos em contínuo processo de conversão. O que peço aos que buscam a Deus é que, olhando para nós, reconheçam que somos sinais imperfeitos do Deus Perfeito e, conosco, venham fazer o mesmo percurso.
13. Não podemos nos esquecer de tantos que, acolhendo Jesus Cristo, transformaram-se e transformaram o mundo ao redor. São vidas que souberam responder aos desafios de seus tempos, fazendo-o sempre alicerçadas no amor a Deus e aos irmãos. Reitero nosso padroeiro S. Sebastião. Lembro-me dos Apóstolos, de quem, como bispo, sou sucessor: cada um com sua personalidade, sua história, mas todos com o mesmo amor por Jesus Cristo e a mesma missão de anunciar o Evangelho. Lembro-me de Francisco de Assis e Teresa de Calcutá. São muitos séculos de distância, mas um único amor a unir estes dois nomes que impressionam por seus testemunhos.
14. Lembro-me de S. Bernardo e daqueles que, seguindo a espiritualidade cisterciense, não se conformaram com o mundo à sua volta, mas o transformaram, transformando suas mentes e seus corações (cf. Rm 12,1). No caminho cisterciense, encontrei minha vocação e, na Igreja, existem tantos caminhos, existem caminhos para todos.
15. Recordo Sto. Antônio Maria Galvão, Sta. Paulina, a Beata Irmã Dulce e a querida Odetinha, serva de Deus nas terras do Rio de Janeiro. Exulto de alegria por participarmos das canonizações dos papas João XIII e João Paulo II. Não deixo de me impressionar por poder ver nos altares, como sinal de presença no céu, vidas que me foram contemporâneas. Lembro-me do Papa João Paulo II beijando nosso solo e visitando nossas cidades. Nós convivemos com santos. Nós também podemos ser santos. Nós precisamos ser santos.
16. Estou consciente de que é sempre muito difícil citar nomes, sem deixar de lado alguém. Por isso, convido a que se complete esta pequena lista com muitos outros nomes, lembrando igualmente de quem, não estando oficialmente nos altares, viveu em santidade, isto é, no amor a Deus e ao próximo (cf Apoc 7,9). Nos santos e santas, Deus manifesta seu amor para conosco, estimulando-nos a seguir seus exemplos. Com eles, quero destacar a Virgem Maria, mãe de Deus, mãe da Igreja, mãe de toda a humanidade e nossa mãe. Maria, Senhora da Conceição Aparecida, padroeira do Brasil, Senhora de Nazaré, de Belém, das Dores, da Piedade, do Cenáculo e da glória do céu. Maria, Senhora da Anunciação e do acolhimento à Palavra de Deus. Maria, Senhora da Visitação e da solidariedade em consequência da Palavra de Deus. Como este mundo seria diferente se, com Maria e como Maria, vivêssemos o mandamento do amor a Deus e ao próximo!
17. Sei que nem todas as pessoas são cristãs, que nem todos os cristãos são católicos. No ideal da unidade, ideal que aprendi de Jesus Cristo e coloquei como lema para minha vida (cf Jo 17,21), desejo que estejamos cada vez mais unidos, na certeza de que temos mais razões para nos unir do que para nos separar. Esforcemo-nos por valorizar todas as situações que a vida nos apresentar, vendo-as como convites a nos unirmos, a estarmos juntos, a fazermos juntos o que será para o benefício de todos, especialmente, como tanto tenho aqui repetido, pelos que sofrem.
O Ano da Caridade
18. Em Jesus e com Jesus, aprendi que não se vive a Fé se não for através da Oração e na prática da Caridade. Por isso, muito me alegrei e imediatamente aprovei a indicação da assembléia arquidiocesana para o atual Plano de Pastoral no sentido de que 2014 fosse vivido como Ano da Caridade. Tenho consciência de que, para a Caridade, não existe um período especial. Ao contrário, todos os instantes são tempos para a Caridade. Se, no entanto, nosso Plano de Pastoral, após grande consulta aos católicos cariocas, assim determinou, é necessário que assimilemos bem o que isso significa. É preciso compreender que, em meio às transformações e incertezas a que antes me referi, corremos o risco de nos fechar em nós mesmos, deixando de olhar para o lado, para quem, muitas vezes ao alcance da mão, está sofrendo, precisando de nós.
19. Até a solenidade do Cristo Rei, todos os católicos cariocas, a começar por mim, vamos nos empenhar não apenas por viver a caridade. Vamos dar todas as nossas forças para vivê-la ainda mais, no desejo de que nosso testemunho envolva outras pessoas e contagie nossa cidade que, além das maravilhas naturais, poderá ser maravilhosa porque sabe viver a caridade. De acordo com a agenda arquidiocesana, alguns eventos especiais acontecerão. Contudo, ninguém deve esperar eventos especiais para colocar em prática o Ano da Caridade. Este tempo tão bonito deve estar enraizado nos nossos corações, na nossa mente e em todo o nosso ser. Deve começar nos pequenos atos, na família, no trabalho, na comunidade. Deve se manifestar na compreensão, na acolhida, na escolha das palavras, com destaque para “por favor”, “desculpe” e “obrigado”. Deve motivar o perdão e a reconciliação, especialmente nas famílias. Deve nos empurrar dos comodismos e nos levar em busca de quem já deveríamos ter buscado, mas nos deixamos sufocar pela omissão. Este é o primeiro passo do Ano da Caridade. Nada nos impede de vivê-lo.
20. O Ano da Caridade é também um tempo para revermos nosso tempo e nos dedicarmos a atividades em favor do próximo sofredor. Inúmeras são as obras sociais existentes em nossa cidade. Algumas são diretamente ligadas à Igreja Católica. Este tempo especial dedicado à Caridade nos convida à união, ao entrosamento e à partilha de experiências. Convida a que cada grupo ou instituição se volte ainda mais para os sofredores, ajudando-se mutuamente a ajudar a quem necessita. Convida os acomodados a se desinstalarem e se unirem a quem, de coração sincero, se esforça por minimizar um pouco da dor alheia. Não vai ser difícil encontrar um grupo assim. Não vai ser difícil criar um grupo assim.
21. Em terceiro lugar, o Ano da Caridade é um tempo para avaliarmos também nosso compromisso social. É um tempo para pensar o quanto temos feito para que as instituições democráticas sejam cada vez mais efetivamente democráticas, a serviço do bem comum, voltadas para os mais necessitados. Nosso Plano de Pastoral apresenta algumas indicações [1]. Recorda, por exemplo, as leis de iniciativa popular, o empenho pela regulamentação e aplicação de leis já aprovadas, a participação em conselhos comunitários ou outros organismos destinados ao bem comum. Lembra, por fim, a importância de uma atitude claramente democrática, alicerçada nos critérios de amor a Deus e ao próximo, no mundo da política, seja quando alguém se apresenta para ser votado, seja quando todos nós, por dever de consciência, escolhemos, pelo voto, alguém para nos representar.
22. O Ano da Caridade é também um tempo para fortalecermos a busca pela democracia. É um tempo para colaborarmos a fim de que as instituições democráticas sejam efetivamente capazes de realizar os anseios de justiça e bem comum. Sei que, algumas vezes, diante da dificuldade das instâncias democráticas regulares cumprirem plenamente sua missão, corremos o risco de querer buscar soluções imediatas. Preocupo-me, no entando, com alguns caminhos escolhidos para expressar as inquietudes. Estou certo de que não se resolvem injustiças sociais com violência, venha ela de onde vier.
23. Não será difícil viver o Ano da Caridade e fazer dele um motivador para todos os instantes de nossas vidas pessoais e comunitárias. Muitas são as dores ao nosso lado [2]. Maior ainda é a graça de Deus a nos ajudar. Grande deve ser a nossa união e contínua deve ser a nossa atenção. De vários lugares do Rio de Janeiro, é possível ver o Redentor do Corcovado. Também é possível perceber que o Redentor olha para nós, olha por nós. Mesmo quem se encontra em local de onde não se vê o Corcovado, sabe que sempre pode elevar o coração a Cristo e por Ele ser acolhido. É com esta certeza que viveremos o Ano da Caridade.
A Jornada Mundial da Juventude
24. Se alguém duvida que sonhos, com a graça de Deus e a união de todos, podem se tornar realidade, eu convido a recordar a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, ano passado. Não tínhamos experiência em preparar Jornadas, nossa cidade ainda não se encontrava plenamente apta para receber um grande evento, as comunidades paroquiais, os movimentos e as outras associações católicas estavam envolvidas em seus trabalhos cotidianos. Já bem próximo da realização da Jornada, diversas mudanças em pouco tempo indicavam que os resultados poderiam não ser tão positivos como desejado.
25. Confiantes na graça de Deus, na graça do Deus que tem seus caminhos, e unidos na oração e no serviço, levamos à frente a realização da Jornada. E exatamente aí, quando nos unimos e nos deixamos conduzir pela graça de Deus, aconteceu uma Jornada que falou aos jovens e aos não jovens, aos cariocas, aos brasileiros e aos demais povos, uma jornada que rezou, celebrou, cantou, conviveu, comemorou e, nos legados social e ecológico, mostrou que a Fé sempre deixa raízes para um mundo transformado. Não deixemos, portanto, que os frutos da JMJ Rio 2013 pereçam com o tempo. A Jornada não semeou na superfície da terra. Suas sementes foram plantadas no fundo de nossos corações. As fortes experiências vividas naquela semana, tendo à frente o querido Papa Francisco, nos deixaram um legado, mas também uma responsabilidade. Há muito por fazer e a Jornada mostrou que somos capazes de levar adiante esta missão.
26. Agradeço, como já o fiz em outros momentos, a todos que, dos mais variados modos, contribuíram para que a Jornada acontecesse. Agradeço pelos sorrisos, o suor, as lágrimas, a capacidade de recomeçar, o empenho por compreender quem pensa diferente, a ajuda material e principalmente as orações. Não cito nomes porque, diante de Deus, todos os serviços são iguais.
27. Desejo que Cracóvia, cidade escolhida para a Jornada de 2016, seja tão ou mais abençoada que nós cariocas o fomos ao preparar e executar a Jornada do Rio. Desejo que as Jornadas, nascidas do coração missionário do Papa João Paulo II, se tornem sempre mais uma solidificada riqueza para toda a Igreja.
Ai de mim se eu não evangelizar! (1 Cor 9,16)
28. O mundo efetivamente se transforma a cada dia. Não muda, porém, a responsabilidade de cada batizado para fazer de sua vida um contínuo anúncio do Evangelho. Tenho vivas as palavras do Santo Padre Francisco, em sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudim: “A missão no coração do povo não é uma parte da minha vida, ou um ornamento que posso pôr de lado; não é um apêndice ou um momento entre tantos outros da minha vida. É algo que não posso arrancar do meu ser, se não me quero destruir. Eu sou uma missão nesta terra, e para isso estou neste mundo” [3].
29. Evangelizar é a resposta que os cristãos, ao longo dos séculos, têm dado a quaisquer situações novas. Maiores os problemas, maior deve ser a missão, uma missão que começa no testemunho, mas que se ratifica no claro falar de Jesus Cristo, na dedicação de um tempo à vida e ao serviço em comunidade e na participação ativa nas obras de caridade. Evangelizar é um convite que o Senhor Jesus faz a todos os batizados. Para isso, é preciso que nos deixemos envolver por Ele, renovando nosso encontro pessoal com Ele [4]. Busquemo-lo, porque Ele nos busca, Ele nos deseja.
30. Infelizmente, para algumas pessoas de nosso tempo, Jesus Cristo pouco significa. A luz que brilhou em meio às trevas (cf Is 9,1-2) parece que se tornou ofuscada (cf Lc 8,16) e seu anúncio precisa ser reavivado. A Conferência de Aparecida, da qual fui membro eleito por meus irmãos bispos do Brasil, nos recorda que este é um tempo para “recomeçar a partir de Jesus Cristo, a partir da contemplação de quem nos revelou em seu mistério a plenitude do cumprimento da vocação humana e de seu sentido” [5]. É um tempo para contemplar e recontemplar Jesus Cristo. É um tempo para ajudar os outros a fazerem o mesmo. Esta é a conversão pastoral a que todos somos chamados: passar de uma pastoral que se restringe a fazer o que sempre fez, atuando apenas com as mesmas pessoas, para uma “pastoral decididamente missionária” [6], uma pastoral que, no dizer do Santo Padre Francisco, coloca a Igreja em firme atitude de saída “da própria comodidade” para “alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” [7]. Convido, portanto, todos os católicos a se esforçarem “por atuar os meios necessários para avançar no caminho duma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão. Neste momento não nos serve uma simples administração. Constituamo-nos em estado permanente de missão” [8].
31. A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro está para completar 450 anos. Em sua história, a Fé cristã sempre se fez presente. Já na fundação da cidade, através do mártir S. Sebastião, a vida da cidade e a Fé em Jesus Cristo se interligaram. Dez anos após a fundação da cidade, já era criada a prelazia do Rio de Janeiro, tornando-se diocese em 1676 e arquidiocese, em 1892. Estes marcos históricos apontam para uma fecunda vida de Fé, vida que, ao aqui chegar, me alegrei por encontrar. São muitas paróquias, com suas capelas e comunidades. Diversos são os movimentos, as entidades e outras formas de associação para viver e praticar a Fé. São corações generosos, que se doam à Evangelização, esquecendo-se do cansaço e apagando a lembrança de possíveis aborrecimentos.
32. Alegro-me, por exemplo, ao contemplar as igrejas históricas de nossa cidade. Vejo, além da beleza arquitetônica, vidas que se dedicaram àquelas construções, no desejo de que a Fé se solidificasse nesta cidade e tantos outros pudessem ter a alegria de um local para a oração. Alegro-me também quando encontro uma pequena capela ou uma comunidade que, para se reunir, necessita improvisar o local. São caminhos diferentes para viver a mesma Fé. As igrejas históricas de nossa cidade nos mostram o que os antepassados fizeram, mas também nos apontam o quanto precisamos fazer hoje. As pequenas capelas e os locais improvisados indicam que estamos fazendo nossa parte.
33. Vejo surgir, a cada dia, novas formas de organização em vista da ação evangelizadora. Alegro-me por ver a criatividade pastoral, o incansável espírito missionário, o desejo de abrir novas frentes, a sensibilidade, enfim, para as situações geográficas ou existenciais a que a ação evangelizadora ainda não chegou adequadamente. Bendigo a Deus pelo empenho dos padres, diáconos e leigos em suscitar novas comunidades, construir capelas, animar os círculos bíblicos e os demais pequenos grupos de oração e reflexão em torno da Palavra de Deus. Tanto se faz, que só mesmo o olhar carinhoso do Senhor para abranger tamanha dedicação.
34. Enquanto escrevo esta carta, não cesso de ouvir as notícias de tantas situações de sofrimento que desafiam nosso amor por Jesus Cristo. Entristeço-me, por exemplo, com a situação dos encarcerados, que, em lugar de recuperação, recebem, na maioria das vezes, tratamento indigno até para as pedras que rolam soltas em nossas ruas. Angustio-me ao ver crescer a condição de refugiado, num mundo que Deus criou para ser pátria de todos. Não entendo, senão a partir do pecado, a atitude de pessoas que intentam lucrar com a vida alheia, traficando seres humanos, vivendo às custas do trabalho escravo e de outras situações degradantes. Não aceito como pensamento evoluído qualquer ameaça à vida. Negar, rejeitar e mesmo destruir a vida é mais que involução. É pecado grave, que cumpre denunciar e clamar à conversão.
35. Estou consciente de que estes novos tempos afetaram muito diretamente a compreensão de família e que nem sempre encontraremos o perfil familiar ao qual estamos acostumados. Uno-me ao Santo Padre Francisco, em sua convocação a um Sínodo exatamente sobre a Família e algumas questões correlatas. Reconheço que, em meio às transformações de nosso tempo, não podemos abdicar da família como condição de humanização e escola para a descoberta, o aprendizado e o testemunho do amor de Deus. Agradeço pela família em que nasci. Agradeço por todas as famílias, que, envoltas em tantos desafios, não desanimam da união. Rezo e busco a cada dia caminhos evangelizadores para fortalecer as famílias e acolher as que se encontram em situação de sofrimento.
O cardinalato
36. No início deste ano, fui escolhido pelo Papa Francisco para o cardinalato. O fato de saber da notícia durante a trezena de S. Sebastião me ajudou a perceber o sentido de mais esta missão em minha vida. Eu estava no percurso de um local para outro, levando a imagem missionária de nosso padroeiro, visitando comunidades, sendo carinhosamente recebido, contemplando sorrisos e, quando necessário e possível, partilhando lágrimas que guardei dentro de mim.
37. A chegada da notícia naquele momento me marcou, pois, se eu sempre tive a certeza de que tudo na Igreja deve ser vivido como serviço, confirmou-se em mim que o cardinalato, ao contrário do que às vezes se pensa, não é uma honraria, ao estilo de promoções humanas. É uma missão, é um impulso a que eu continue peregrinando pelas ruas de nossa cidade, levando o amor de Deus. Terei sempre comigo as palavras que o Santo Padre dirigiu aos cardeais por ele escolhidos e, assim, recebo “esta designação com um coração simples e humilde” [9].
38. Interessante observar que, em sua origem, a palavra cardeal tem algo a me inspirar. Este termo se refere a certo tipo de dobradiças. São aqueles pequenos instrumentos, que, sem ofuscar a beleza e a solidez da porta, permitem que a mesma cumpra sua função. As dobradiças sustentam as portas e, pelas portas, passam pessoas. Quero, pois, com meu cardinalato, sempre fortalecido pelo Espírito Santo, ajudar a Igreja a permanecer firme em sua missão. Que pela porta da Igreja passem pessoas, povos e culturas ao encontro do Cristo Senhor. E que, esta porta nunca seja um caminho de volta, uma passagem que afasta de Jesus Cristo, Verbo de Deus feito homem para a nossa salvação.
39. Desde de criança, aprendi a pedir orações. Com o Papa Francisco, durante a Jornada, repeti interiormente a mesma solicitação que ele fazia a quem com ele falava. “Reze por mim”, repetiu incansavelmente o Santo Padre. Nós rezamos e rezaremos por ele. Não há dúvida. Mas, tomo a liberdade de me unir ao Santo Padre neste pedido: não se esqueçam de rezar também por mim. Se grande é a missão, menor é o servo e maior a urgência da oração.
O convite:
40. Agradeço pela acolhida a esta minha Carta Pastoral. Nela procurei colocar um pouco do que meu coração de pastor tem guardado desde que fui carinhosamente recebido no Rio de Janeiro.
41. Completo com um convite já tão manifestado. Aos católicos, convido a viver, a testemunharem sua fé. Aos irmãos em Cristo Jesus, convido à crescente unidade na oração, no convívio e no serviço à justiça e ao bem comum. A todos, enfim, convido a buscarmos sempre mais a união em torno do bem e da paz. Ofereço meu sincero desejo e minhas forças para que, em meio às diferenças, sejamos capazes de sempre nos unir. E que Deus a todos continue abençoando.
Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 2014.
† Orani João Cardeal Tempesta, O.Cist.
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro
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NOTAS:
[1] Arquidiocese de S. Sebastião do Rio de Janeiro, 11º PPC, nn 133-135.
[2] Cf Documento de Aparecida nn. 65, 257, 402 e 407 a 430
[3] Papa Francisco, Exortação Apostólica Evangelli Gaudium, 273
[4][4][4] Papa Francisco, Exortação Apostólica Evangelli Gaudium, 3
[5] Documento de Aparecida, 41
[6] Documento de Aparecida, 370
[7] Papa Francisco, Exortação Apostólica Evangelli Gaudium, 20
[8] Papa Francisco, Exortação Apostólica Evangelli Gaudium, 25
[9] Papa Francisco, Carta aos Cardeais eleitos, 12 de janeiro de 2014